O leilão de 29 automóveis do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) realizado em 1º de agosto trouxe à tona o debate sobre o uso do patrimônio do Poder Judiciário. Enquanto oficiais de Justiça são obrigados a utilizar os próprios carros nas atividades diárias e servidores reclamam de problemas no transporte físico de processos, juízes monopolizam o uso da frota.

A situação na capital da República apresenta uma particularidade: entre as Justiças estaduais, o DF é a unidade da Federação onde os veículos estão mais concentrados nas mãos de magistrados. Essa frota inclui modelos de luxo, como 50 Sentras, da Nissan; 45 Fluences, da Renaut; 39 Focus e seis Fusions, ambos da montadora Ford. Os valores unitários dessas máquinas no mercado podem ultrapassar R$ 100 mil.

Segundo o balanço mais recente disponibilizado pelo TJDFT, dos 413 veículos do órgão, 242 estão com juízes e desembargadores, o que corresponde a 58,5%. Os 171 restantes são destinados a serviços diversos.O tribunal ainda não atualizou os números após o leilão feito no início deste mês, mas a tendência é que o percentual suba, uma vez que quase todo o lote vendido era utilizado por setores administrativos. Em segundo na lista nacional vem Pernambuco, com 51,2%; seguido por Minas Gerais (37,9%).

A proporção de veículos reservados ao transporte de autoridades no DF é quase o dobro da registrada na unidade federativa com mais juízes estaduais no país: São Paulo. No TJDFT, os 380 magistrados contam com 242 carros só para eles. No TJSP, dos 1.133 automóveis, 358 são usados por 2.458 juízes e desembargadores — uma proporção de 31,5%.

Na contramão dessa estatística estão Roraima e Mato Grosso do Sul, locais com os percentuais mais baixos — 8,9% e 11,5%, respectivamente.


Os carros para transporte de magistrados são os mais caros na frota do TJDFT (Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles)


“Gordura”


Para o especialista em administração pública e professor da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira, não se deve isolar os fatos: é preciso analisar o sistema como um todo. “O problema não é só no Executivo, Legislativo ou Judiciário. Existe tanta gordura para ser cortada neste país que seria preciso fazer uma cirurgia bariátrica. Na Suécia, por exemplo, um ministro da Suprema Corte vai trabalhar de metrô. Só por aí vemos a questão de prioridades de um país”, afirmou.

Matias-Pereira frisa que existem “privilégios” que são absolutamente dispensáveis, ainda mais em um tempo no qual se cortam salários devido a uma crise financeira. “Pensar que devem existir tantos automóveis quanto juízes é supérfluo. Se falta material na saúde e na educação, temos que pensar em cortar o dispensável, como as isenções fiscais, os subsídios e as férias de 60 dias para o Judiciário. É preciso revisar o tamanho do Estado”, completou o professor.


Regras do CNJ


O uso de veículos pelos órgãos do Poder Judiciário de todo o país é regulamentado pela Resolução nº 83 de 2009, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Porém, as regras não limitam a quantidade de carros nem fixam limite de gastos com abastecimento ou manutenção.

O Artigo 7º, que disciplina a “aquisição e locação de veículos oficiais” diz apenas que as compras “ficarão sempre condicionadas às efetivas necessidades do serviço”. A resolução veda ainda o uso para fins que não sejam relacionados a atividades da Corte.

Mas servidores apontam dois problemas: faltam veículos para atividades do dia a dia e nem sempre as regras são seguidas. O problema, dizem, é que as normas deixam muitas pontas soltas.

Já recebemos a notificação de que alguns magistrados usam os carros que têm à disposição para fins pessoais, fora do deslocamento casa-trabalho. Enquanto isso, faltam veículos para outras atividades“Gilmar Saraiva da Paz, coordenador de Administração e Finanças do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário (Sindjus)

A maior parte das reclamações está concentrada em uma categoria: a dos oficiais de Justiça. Dos 7 mil servidores do TJDFT, 600 estão nessa função e são responsáveis, entre outras atribuições, a intimar testemunhas e réus de processos em todo a capital federal. Esses profissionais usam os próprios automóveis para a entrega de ordens judiciais. Para isso, recebem um auxílio de cerca de R$ 1,8 mil mensais.

Embora a situação seja assim em todo o Brasil, a categoria está insatisfeita. “O oficial precisaria ter um carro para trabalhar. Ajudaria muito se a gente pudesse contar com um motorista e um veículo à nossa espera, com todo o apoio do Tribunal, como os juízes”, reclama Gerardo Alves Lima Filho, presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF (Sindojus).


Outro lado


Questionada pela reportagem sobre o uso de carros por juízes e desembargadores, a Associação dos Magistrados do Distrito Federal (Amagis) disse que não iria se manifestar. Já o TJDFT informou, por meio de nota, que o percentual de automóveis disponíveis para as autoridades “tem relação com o número de magistrados e as diversas circunscrições atendidas”.

O órgão afirmou ainda que, desde 2016, decisões administrativas resultaram na economia de cerca de 20% do consumo de combustível por veículos da Corte.

Ainda de acordo com o TJDFT, no ano passado, os 413 automóveis da Corte precisaram de 524,17 mil litros de combustível, entre álcool, gasolina e diesel. Os carros rodaram um total de 4,5 milhões de quilômetros ao longo de 2016.

Devido ao desgaste sofrido pelas máquinas, o Tribunal promove leilões periódicos. No último, feito em 1º de agosto, a Corte arrecadou R$ 333 mil com a venda de 29 automóveis. “Esse valor será incorporado ao orçamento do órgão e não será usado para aumentar a frota”, informou o TJDFT.

Fonte: Metrópoles

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